sábado, 25 de julho de 2020

Santinho no Purgatório



Ângelo era um jovem religioso,
morreu e foi para o céu.
Não pelo fato de ser religioso,
mas Deus é bom.
Chegou lá e já mostrou sua especialidade.
Teceu a ladainha religiosa de costume,
encheu Deus de adoração e louvor.
Entusiasmado disse que fez por merecer.
Participante assíduo da missa.
Frequentador de poderosos cercos jericós.
Amigo do padre estrela e bispo famoso.
Rezador de terços e grupos de orações.
Leitor assíduo da bíblia e livros espirituais.
E, por fim, após horas nesta entoada,
finalizou com a seguinte afirmação:
Posso entrar no céu para ver como é?
Deus disse que com certeza sim,
Mas....
Antes teria que passar pelo purgatório.
Como assim, frustrado perguntou o jovem.
Vou ter que sofrer no purgatório?
Eu cumpri toda a lei religiosamente!
Deus, então disse que no céu
apenas entram os que possuem
uma consciência plena do amor.
Que amor e religiosidade
não são as mesmas coisas.
Quem ama é um bom cristão,
mas nem todo religioso
necessariamente é um bom cristão.
O jovem, triste então perguntou:
Que farei no purgatório?
Deus disse com olhar de misericórdia.
Vai olhar a miséria do mundo,
como um filme, onde será o protagonista.
E vai conseguir enxergar sua omissão
e o quanto mal ela causou e poderia evitar.
Depois poderá entrar no céu,
pois o céu só pode ser sentido e entendido
por quem religiosamente fez do amor
sua profissão de fé.
O jovem, mesmo triste respirou aliviado
 e num momento de desabafo, disse:
Achei que iria queimar no purgatório.
Deus o olhou com pena, e disse:
Se prepare, sua dor será maior
que o fogo que queima.
Não há dor maior
que a dor de consciência.
De saber que viveu uma vida inteira
sem ter cumprido sua missão.
O jovem partiu para o purgatório
sem entender e aceitar bem a situação.
Mas não tinha culpa, foi ensinado assim.
Por isso pôde ir ao purgatório.
Deus o abraçou e disse até logo.
Neste momento, Deus sempre pensa:
Que sabedoria esta invenção
do purgatório!
E o jovem chorou naquele lugar
um lamento que nunca teve.
Uma dor que nunca carregou.
Descobriu a verdade tardia.
Num tempo onde não podia
fazer mais nada.
Lá no purgatório,
encontrou um dos mestres religiosos
que não o olhou no rosto.
Juntos, choravam separados,
a cada dor humana que sua
religiosidade não evitou e até  provocou.

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